Por Rodrigo Rodrigues, Lívia Machado, g1 SP


O promotor Lincoln Gakiya, do MP-SP, responsável pelas investigações de infiltração do PCC em empresas de ônibus da cidade de SP. — Foto: Montagem/g1/Divulgação

A facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que atua de dentro e fora dos presídios paulistas, já ganhou contornos de máfia. A avaliação é do promotor Lincoln Gakiya, que investiga há décadas a ação do grupo criminoso no estado de São Paulo.

“O que nos preocupa é que a organização está tomando tamanho de máfia, se infiltrando no estado, participando de licitações de estado. Isso é característico de máfias, como a gente já viu na Itália. (…) E essa operação está atuando na asfixia financeira desse grupo”, aponta o promotor.

De acordo com as investigações, a Transwolff e UPBus, que operam respectivamente nas zonas Sul e Leste da capital paulista, receberam em 2023 mais de R$ 800 milhões da Prefeitura de São Paulo. Os contratos foram feitos de forma legal, mas acabaram por financiar indiretamente o crime organizado.

O promotor vê com temor o envolvimento da facção com o transporte público, mas destaca que ela também está presente em outras áreas dentro do estado paulista: saúde, coleta de lixo e assistência social.

“Nos preocupa demais porque se paralisar o transporte público aqui da cidade, são 7 milhões de passageiros por dia, para a cidade, para o estado e uma parte do país. Porque aqui é o centro financeiro nervoso do país. Então, isso não pode estar na mão deles. Isso aconteceu na Itália, nas concessões de lixo e de serviços públicos que também são essenciais", destacou Gakiya.

MP faz operação para prender dirigentes de empresas de ônibus de SP

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"No setor da Saúde, já há um ou dois municípios com problema na Região Metropolitana, por meio de OSs [organizações sociais], de lixo e assistência social também. Mas isso é só um outro capítulo [que estamos investigando]", complementou o promotor.

O modelo de gestão da saúde por meio de Organizações Sociais existe em São Paulo desde 1998. As OSs são entidades sem fins lucrativos que recebem o recurso para cuidar da administração de serviços públicos, como hospitais e unidades de saúde.

Intervenção

Na operação do MP, a Justiça determinou que a Prefeitura de SP assuma o controle das linhas que eram operadas pelas empresas.

O prefeito Nunes disse que já nomeou os dois interventores que atuarão na gestão das duas empresas alvo da operação 'Fim da Linha'. São dois servidores de carreira da SPTrans: Valdemar Gomes de Mello e Wagner Chagas Alves (diretor de operações da empresa).

“Já fiz o decreto publicado hoje no Diário Oficial onde determino a intervenção na Transwolff e na UPBus. Quero contar com a colaboração da imprensa para deixar claro que não haverá nenhuma paralisação no transporte público municipal por parte dessas empresas. Fornecedores não deixarão de receber. Os interventores já estão lá nas duas empresas. Não haverá demissão de funcionários. Só muda a gestão dessas empresas”.

Armamento encontrado na casa de dirigente de empresa de ônibus de SP, alvo de operação do MP — Foto: Divulgação/MP

Bloqueio de bens e afastamento de cargos

As decisões judiciais estabelecem também o bloqueio de bens dos investigados, no valor máximo de quase R$ 600 milhões.

Os dirigentes das empresas devem se afastar dos cargos, e cinco deles, ligados à UPBus, terão de cumprir medidas cautelares - entre elas, a proibição de frequentar a empresa e de se ausentar da cidade sem comunicação prévia à Justiça.

A operação é realizada pela Polícia Militar, pela Receita Federal e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que fiscaliza e combate abusos de poder econômico.

Armas encontradas em casa de dono de empresa de ônibus de SP — Foto: Divulgação/MP

Empresas usadas para lavar dinheiro do tráfico

Durante quase cinco anos de investigação, os promotores do grupo de combate ao crime organizado (Gaeco) reuniram indícios de que as empresas eram usadas pela facção criminosa para lavar dinheiro do tráfico de drogas e de outros crimes.

A suspeita de que o crime organizado estava infiltrado no transporte público de São Paulo vem desde os anos 1990, quando parte do sistema era operado por perueiros clandestinos, que faziam o trajeto entre os bairros mais afastados e os terminais de ônibus.

Em 2003, a prefeitura da capital transferiu a operação das linhas para a iniciativa privada. Parte do sistema ficou com as grandes empresas de ônibus, e os itinerários mais curtos passaram a ser feitos por cooperativas. A maior delas era a Cooperpam, com sede na Zona Sul.

Ao longo dos anos, segundo o MP, os dirigentes dessa cooperativa montaram uma empresa e passaram a pressionar e até ameaçar os cooperados para que transferissem o controle da cooperativa para essa outra companhia, chamada de TW ou Transwolff.

Além disso, segundo os promotores, os diretores se apropriavam de parte da remuneração dos cooperados.

Dez anos depois, em 2013, quando o primeiro contrato de permissão da Prefeitura de SP chegou ao fim para todas as empresas, a Transwolff conseguiu assinar um contrato emergencial, que foi prorrogado durante anos, devido a um impasse no processo de concessão.

Joias e relógios encontrados pela polícia em residência de dono de empresa de ônibus da capital paulista — Foto: Divulgação/MP

Diretor de empresa na cúpula do PCC

Só em 2019, depois que o TCM liberou a licitação, a prefeitura da capital assinou 32 contratos para a concessão das linhas de ônibus da cidade, por um prazo de 15 anos.

No caso da UPBus, o Ministério Público afirma que os diretores integram a cúpula da facção criminosa. Um dos donos da empresa era Anselmo Bicheli Santa Fausta, conhecido como “Cara Preta”.

Anselmo foi assassinado e degolado em dezembro de 2021. A cabeça dele foi deixada em uma praça do Tatuapé, também na Zona Leste.

Os promotores descobriram que outros chefes da facção criminosa fazem parte da direção da UPBus. Dois deles aparecem entre os sócios: Alexandre Salles Brito, chamado de Buiú, e Claudio Marcos de Almeida, o Jango. Eles já foram alvos de investigação por crimes graves como homicídios, tráfico de drogas, sequestros e roubo a bancos.

Parentes dos investigados também entraram para a sociedade. Segundo a investigação, eles têm profissões ou exercem atividades econômicas incompatíveis com o capital investido na UPBus.

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